Pisco, com P de Peru: destilado feito à base de uvas está ganhando o mundo
Colaboração: Bruno Chamochumbi*
Na terra onde vivem meus avós, tios, primos e muitos amigos, gosto também de ler o jornal. E um dos temas que mais me chama a atenção é a gastronomia. Obviamente porque comer já é uma grande paixão. Comer a comida peruana, então, nem se fala. A comida peruana é um “ímã culinário“, como disse o jornal El Comercio. Um ímã para o mundo, para um país que tem sabido aproveitar as oportunidades.
Entre os feitos deste país está o fato de ter sediado o primeiro encontro do G9 (grupo dos chefes de cozinha mais influentes do mundo, que tem o brasileiro Alex Atalla, o japonês Yukio Hattori, o frânces Michel Bras e o catalão Ferran Adrià), assim como debutar na lista dos melhores restaurantes do mundo, com Astrid & Gastón. Aliás, o peruano Gastón Acurio é mesmo um dos chefes mais influentes do planeta. É dele a fama de ter difundido a gastronomia peruana aos quatro cantos do mundo, incluindo São Paulo, onde está um dos seus restaurantes.
A identidade peruana e a auto-estima proporcionada pela gastronomia são de dar água na boca e lágrimas nos olhos. Seja pela emoção ou pela cebola-roxa que ilustra as produções. E essa onda nacionalista peruana só cresce. Um dos ícones do sabor peruano é o pisco. Não existe um pingo de dúvida: ele é um dos símbolos, seja puro ou na famosa receita ‘sour’, que tem origem no centro de Lima, nos famosos Hotel Maury, Morris Bar e o Gran Hotel Bolivar.
O pisco ganha cada vez mais consumidores que, ao chegarem para uma festa ou encontro de amigos, trazem a tiracolo uma “botella de las mejores bodegas peruanas“. Ele vai bem com drinks, antes, durante e depois das refeições. O consumo de pisco cresceu muito nos últimos dez anos no Peru. Isso inclui os jovens, prato cheio para investimentos e variações do produto. Uma produtora famosa do peru, a Bodega Queirolo, criou um produto composto por pisco e cereja que está fazendo muito sucesso entre os jovens: o Masco. Isso tem a ver com a volta às tradições cultivadas por nossos avós. É um destilado de uva que está na moda no mundo todo.
No país, tem a ver com a sensação do nacionalismo, já que é uma bebida reconhecidamente peruana. Certamente, o momento político e econômico se traduz num consumo e num olhar mais cuidadoso com o pisco, que tem alcançado melhor status de qualidade, com prêmios e outros eventos focados no produto que, assim como o pescado, representa de forma positiva a imagem do Peru no mundo.
In loco
Resolvi conhecer a Bodega de Azpitia, fundada há quatro anos. Lá fui recebido por um dos sócios, Alfredo Paino. Ele é um dos seis empresários que investiram mais de US$ 1 milhão numa produção artesanal que surpreende pela qualidade da bebida destilada feita com uvas.
Os seis sócios sonhavam em ter sua própria produção, pois têm terras em Azpitia, no vale do rio Mala, que produzem as uvas pisqueras. Todos já conheciam o sistema de fabricação do pisco, pois mandavam sua produção para outros alambiques e recebiam algumas garrafas da bebida produzidas com sua safra de uvas, para assim vendê-las aos amigos de forma artesanal.
Segundo Paino, para criar o negócio, ‘meteron las manos al bolsillo’ (colocaram a mão no bolso). “Decidimos não baixar nossa qualidade em troca de vender mais. Preferimos manter a qualidade, mesmo sem ter uma velocidade tão grande de recuperação do investimento. Certamente esta decisão impacta no futuro da bodega, pois queremos que ela seja reconhecida como uma das melhores”, declara.
O crescimento no panorama do consumo é impressionantemente crescente. O pisco é uma bebida tradicional e existe desde o final do século 16, segundo historiadores. O que acontece agora, diferente de outros momentos, é que a produção de uva pisqueira se estabilizou, fato que não ocorreu em muitos momentos e que prejudicou a regularidade do produto. O preço vantajoso tem feito com que os agricultores troquem suas lavouras pelos parreirais.
Rivalidade
Paino coloca lenha na fogueira na famosa briga entre o Peru e o Chile, que também se auto-proclama como o “pai do pisco“. Para ele, a diferença entre os produtos dos dois países é gritante. “Esta é uma das tantas coisas que os chilenos copiam dos peruanos. Os chilenos são muito bons em muitas coisas, mas acredito que falte um pouco de criatividade quando se fala do pisco. Existem documentos históricos que comprovam o surgimento do pisco no Peru. Qualquer historiador encontra isso”.
Se você compara o pisco chileno com o peruano, vai perceber a grande diferença, na opinião do empresário. Segundo ele, o pisco chileno não pode ser tomado sozinho. O odor é mais neutro, o sabor é mais forte. O pisco peruano pode ser tomado puro, é feito com o suco da uva e é destilado. “O pisco chileno é feito pelos restos da uva, misturados com água, e é fermentado”, explica.
Incentivo
Em 2003, o governo peruano instituiu uma norma para fomentar local e internacionalmente o consumo do pisco. Todas as repartições do Estado peruano, suas missões diplomáticas, consulares e representações nos organismos internacionais, nas suas contas de gastos em compras de bebidas, devem dispor de 50% para adquirir pisco e 50% para outros licores. O entusiasmo dos produtores locais de pisco foi grande, já que o incremento da produção foi notório. Do mesmo modo, se dispôs que nos cartões de convites oficiais já não se mencionasse o clássico “coquetel de honra“, ou “vinho de honra“, mas sim, o “pisco de honra“.
Em 18 de outubro de 2007, o Instituto Nacional de Cultura do Peru (INC), declarou o pisco sour como Patrimônio Cultural da Nação, com base nas normas da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), lição que poderia ser aprendida pelo Brasil para promover sua caipirinha ou cachaça.
* Bruno Chamochumbi é empresário e publicitário brasileiro com descendência peruana (e apaixonado pelo país andino)