Fotografar sem parar ou curtir o lugar – eis a questão
Você vai fazer aquele passeio maravilhoso em um dos vários parques naturais da Flórida. A paisagem é belíssima para ser contemplada, o vento soprando no rosto acalma qualquer estresse que poderia ter persistido nas suas curtas férias e o momento é perfeito para se entregar à aventura de conhecer um lugar antes nunca visto.
Seria. O que aconteceu mesmo é que você não esperava ficar tão bravo porque a bateria da sua câmera estava com apenas um pontinho. Ou talvez tenha ficado extremamente irritado pelo fato de não ter fotografado aqueles jacarés como imaginou que faria. Quanta tensão, não? Pois saiba que qualquer semelhança não é mera coincidência. Isso aconteceu comigo em um parque na cidade de Kenansville, na Flórida. E infelizmente (ou naturalmente), isso é muito mais comum do que se imagina.
O fotógrafo Fabio Seixo saiu em busca do porquê dessa estranha obsessão em fotografarmos tudo o tempo todo. Desde 2008, ele trabalha em um projeto de sua autoria batizado de Photoland, que nada mais é que “um ensaio fotográfico realizado em várias cidades, como Rio, Londres, Paris, Nova York, Cidade do México, Roma, Veneza e Cuzco. Basicamente, são fotografias que capturam pessoas na aparente banalidade do ato de fotografar. A popularização das câmeras digitais torna a fotografia hoje, possivelmente, o maior hobby do planeta, atingindo todas as classes, idades e culturas. Em todos os lugares, ocasiões e acontecimentos, estamos fotografando ou sendo fotografados“, diz Fabio no site oficial do projeto (clique aqui para conhecer).
OK, fotografar faz parte do cotidiano, da viagem, além de ser bastante divertido e até terapêutico em muitas ocasiões, mas a questão aqui é: o que aquele cidadão que passou o dia todo clicando a Torre Eiffel fez depois com aquelas dezenas de imagens do cartão-postal de Paris? O que aquela garota conheceu – e aprendeu – naquele museu ao ar livre se ela só ficou fotografando obsessivamente tudo o que via pela frente sem nem saber direito onde estava? O próprio Seixo concluiu em uma entrevista à revista Carta Capital, publicada em abril de 2013: “Vi que elas (as pessoas), na verdade, viajam muito mais para marcar território e dizer que estiveram lá do que para curtir a viagem“.
De certa forma, o jornalista Rodrigo Alves concorda com o fotógrafo quando reflete em seu artigo intitulado Memórias das lembranças não vividas que “registrar as ocasiões especiais com fotos e vídeos transformou-se em obrigação“. Ele e um amigo visitaram algumas cidades norte-americanas (Miami, Orlando e Nova York) nas últimas férias e o resultado final foi nada menos que 1300 cliques em três semanas de viagem. Para ele, isso foi relativamente pouco perto de um passeio que fez em 2012 de apenas uma semana à Mendoza, na Argentina, e que lhe rendeu 1800 imagens. “O culto ao ato de fotografar é algo que se agravou com o acesso à tecnologia e com a necessidade de receber likes e de exibição nas redes sociais. Nos pontos turísticos, você encontra pessoas obcecadas na conquista pelo melhor ângulo, com seus tablets, smartphones e máquinas modernas“, afirma Alves.
Ainda durante a viagem aos Estados Unidos, o excesso de cliques, flashs, imagens e arquivos salvos fizeram Alves refletir sobre a necessidade disso tudo. “Tiram a foto e vão embora, mas se esquecem de apreciar a paisagem com os próprios olhos, perceber as sutilezas ao seu redor, receber orientações de guias e extrair informações do local percorrido. Todo esse contexto é importante numa viagem e não apenas viver o momento a partir de nossas máquinas. Percebi que agia desta forma e tenho evitado essa obsessão“, assume o jornalista que não se considera um fotógrafo profissional, mas sim um apaixonado pela arte da fotografia.
Portanto, se na próxima viagem der aquela vontade incontrolável de fotografar cada ambiente do hotel, cada minuto nos pontos turísticos, cada polegada cúbica da cidade e cada prato a ser degustado nos restaurantes, tenha a consciência de que as fotos farão sim parte do álbum de recordações, mas que nada substituirá o que os sentidos vivenciarem naqueles preciosos dias em terras novas. E para de fato sentir o momento presente, o foco deve estar na abertura da lent…, ops, da mente.
———————————————————————————————————————–
Dica de filme
RETRATOS DE UMA OBSESSÃO
Seymour Parrish (Robin Williams) é um solitário funcionário de uma loja de revelação de fotos em 1 hora. É no local em que trabalha que a família Yorkin sempre revela suas fotos, sendo que com o passar dos meses Seymour desenvolve uma estranha obsessão com a família e suas fotos. A certa altura da trama, o personagem principal reflete: “Meus clientes nunca pensariam nisso, mas essas fotos são sua defesa contra o passar do tempo. O obturador é acionado, o flash estala, e eles param o tempo, mesmo que por um instante. E se as fotos têm algo a dizer para as futuras gerações, é o seguinte: eu estava lá. Eu existi. Eu era jovem, feliz e alguém no mundo se importava comigo o bastante para tirar minha foto“.